quarta-feira, 7 de novembro de 2012

BERLIM DIÁRIO (fechar fronteiras) 6

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E quando dou por mim, estou sentado no café em frente a casa com o computador ainda à frente, sempre à frente do nariz e aí fico como se não tivesse saído. Aborreço-me a mim próprio. Devia parar com isto. Inventar outra vida. Deixar de descrever esta. Dizer: estou em Moscovo e tenho as mãos congeladas. Ou: a noite não pára e eu acompanho todos os seus perigos. Ou: vejo tudo, faço tudo, e nem metade partilho com as letras. 

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Tendo desenvencilhar-me num texto. Cada linha sai lenta e sem saber bem porquê. Detesto os inícios. Custam-me a concentração. Quero fazer tudo menos isto. Não consigo perceber o que me mantém aqui sentado. Uma teimosia, uma insistência idiota. Não sou capaz de começar. Não vou ser capaz. Tudo é um drama. Há tantas outras coisas para fazer. E eu devia fazê-las todas. Tudo menos isto. 
Saio de casa. Desisto. Isto não é para mim. Vou correr. Começo a correr. Já comecei. 

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A pressuposição da autenticidade no leitor de um diário. A confiança do leitor de um diário em cada um dos dias do diário. Como se fosse mesmo assim. Como se um dia fosse um dia e um autor um autor. Como se fosse menos ficção. (É o género documentário.) E então eu digo, ou melhor, volto a dizer: isto é tudo mentira. Eu não estou aqui.

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Tento fazer qualquer coisa com uma ideia que não sou capaz de agarrar. Fogem-me as pontas por entre os dedos. É como fechar água entre as mãos, escorre por todos os lados. E quando tapo de um lado, destapa-se outro. Às vezes tenho vontade de desistir. Hoje tive vontade de desistir. Acordei de manhã com entusiasmo, li, corrigi, vedei e quando voltei a pegar, pouco depois, parecia que já nada funcionava de novo. Não sei o que hei de fazer com esta ideia. Não sei mesmo. Não sei, porque não a consigo agarrar. E porque ela só existe porque não se deixa agarrar. Porque está aberta e fechada. Porque está dentro e fora.

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Está na altura de contar uma história mas não me ocorre nenhuma. 

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