segunda-feira, 19 de novembro de 2012

BERLIM DIÁRIO (fechar fronteiras) 18

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Acho que achei. Quer dizer, encontrei. O princípio. A história: 
Saí de casa. Fechei a porta. A chave ficou do lado de dentro. Não vou voltar. Desci as escadas. Terceiro andar. Fui até ao parque onde corro. Precisava de pensar. O que fazer sem as chaves. Os negócios obscuros com cheiro a erva seca multiplicam-se a esta hora do dia. Já passou o almoço. Não tarda fica escuro. Sento-me num banco. Sacudo as folhas húmidas e amarelas. Penso. A chave ficou do lado de dentro. Não tenho nada. Estou tranquilo. Vai ser esta a minha história. Já começou? 
Estou ao rubro. “Minhas senhoras e meu senhores”, vou a uma reunião, vou a uma estreia, vou a uma inauguração, vou a uma festa, escrevo uma carta, entro num avião, ando debaixo de chuva, vou correr para o parque, estou a escrever uma comédia, ou seja, estou a tentar confundir, ou seja, estou a tentar não ceder, ou seja, estou a inventar um mundo provisório, ou seja, incompleto, estou a criar o que ficou para trás. Estou em contagem decrescente com a cidade a desaparecer nas minhas costas. Já não estou. 
O terceiro andar ficou vazio. A chave ficou do lado de dentro. Acelero o passo. Gasto o passeio como um trilho a atravessar um relvado no parque. Isto é meu. Cada página que leio agora é transparente e deixa ver por trás o movimento do mundo. Apaguem as velas. Conquistei o meu espaço. O volume cabe na caixa que tenho na mão, a água já não escorre por entre os dedos. Tornei-me impermeável. 
Sou uma bola de espelhos. Flutuo pela ficção e vejo o fundo à distância. Desloquei-me do meu lugar, do meu tempo, e olho de longe. As tempestades passam ao fundo, sempre no horizonte, uma atrás da outra. E eu tão próximo delas. O quotidiano é meu vizinho. Estou a criar um mito. Produto, produção, produtivo. Continuo a andar para trás.
E mais uma tempestade. Não abandono o barco. Dou mais uma volta ao parque. Cheiro a erva seca queimada. Sinto-me copo de leite e recordo a chave do lado de dentro da porta. Um filme que não vi. Oiço-me alegórico e arrepio-me só de o pensar. Não quero nada disso. Ser palavras basta-me. Este diário é isto: “\. l ppppok7´\” (Espero ser capaz de num outro dia expor melhor. - Nein! Nein! Nein!) 
E continuo a andar para trás. A velocidade aumenta. O cabelo tapa-me os olhos. Já ninguém me acompanha. Eu recuo e os outros avançam. Estamos em mundos diferentes. E eu a precisar do reconhecimento de uma existência que me inscreva. É tão simples. Tudo isto no fundo é tão simples e eu embrulhado em palavras e direções para tentar explicar o caminho, a tentar fazer frente à solidão, à procura de companhia (“Um mais um”). 
Porque é que não me limito a dizer: siga sempre sempre sempre em frente. Não tem nada que enganar. Sempre  sempre sempre em frente. Sempre sempre sempre. Tempestade tempestade tempestade. Acumulo. Eu existo. Aqui e ali. Eu e eu e eu e eu. Preso no meio dos bocejos. Em missão. 
Já cheguei. Já chega. Não tenho mais.  
Cada frase é uma parte cumprida. À procura do consenso. E para começar, este prólogo: Hallo.